Há 50 anos inspirando educadores. Há 50 anos oferecendo, a todos os alunos,
oportunidades de alcançar e desenvolver confiança e autoestima por meio da
experiência do aprender, em um ambiente natural, rico em possibilidades.
Dalton e Lucia perceberam, desde o início, a necessidade de buscar uma
abordagem conduzida pela criança, e não presa a uma grade curricular. Essa
tensão entre a abordagem baseada em atividades preestabelecidas e a de
escuta e observação demonstra uma diferença de paradigma e a coragem de
inovar, de trabalhar com a ideia da criança como indivíduo, desenvolvendo-se
de forma única, com diferentes pontos a serem valorizados.
Reconheciam a necessidade de a criança ter tempo e espaço para fazer suas
próprias escolhas e expressar seu espírito criativo. O coração da Escola era e é
conectá-la com ela mesma, com o outro e com o meio ambiente.
O aprendizado era baseado em brincadeiras e, na medida do possível, iniciado
e liderado pelas crianças. Não havia restrições de tempo, e a vivência de riscos
era facilitada para que elas percebessem a si mesmas e buscassem seus
recursos.
É claro que precisamos considerar algumas perspectivas históricas sobre a
educação de crianças que pode ter influenciado o desenvolvimento da Aldeia,
pois a Escola existe no contexto de outros pensamentos e outras ideias sobre o
desenvolvimento infantil. Existem pioneiros como Froebel – que cunhou o termo
Jardim de Infância e encorajava as crianças a estarem no ambiente ao ar livre e
engajadas na construção e exploração – e também Pestalozzi. Ambos pioneiros
na ideia da aprendizagem ativa e aberta para crianças pequenas, que
apontavam a importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil.
É inegável, até hoje, a influência de Montessori. Ela trabalha a autonomia da
criança. Valoriza jogos feitos de materiais naturais, enriquecendo a experiência
sensorial, e parte do princípio de que todos os materiais de aprendizado devem
ter o tamanho adequado para as crianças. Sempre oferecia brincadeiras
sensoriais ao ar livre. Incentivava a independência, mas também a colaboração.
Não há exames nem notas, para evitar a competição entre os alunos. Os
professores devem agir como guias que incentivam as crianças a fazer a
atividade com o mínimo de interferência. A ideia é que elas aprendam a se
autogerenciar.
Dalton e Lucia, na busca por uma educação que rompesse com a ideia de um
aluno reprodutor de conhecimentos, aproximaram-se dessa autora e buscaram
formação específica. Percebiam que a obrigatoriedade do ensino com suas
grades curriculares, a nova configuração familiar e a própria estrutura das casas
levavam a um reconhecimento de que as crianças não estavam mais tão
envolvidas com seu ambiente como antes. Havia (e há) problemas de
comportamento, de habilidades sociais e de aprendizagem que precisavam
desencadear novas respostas educacionais. Vivemos isso hoje, mas Dalton e
Lucia perceberam, como outros poucos, em sua época, que era preciso e
possível fazer algo.
Surgia assim a Aldeia Curumim! “Escola sonhada e que existe”, como tão bem
definiu a nossa professora Luciana.
Que belo legado, que bela obra! Não foi fácil para eles mantê-la e ainda não o é
para Marcelo, seu filho e nosso diretor. As demandas são muitas e as pressões
para responder a um modelo de sociedade também. Manter essa Escola viva é
manter uma determinada concepção de educação, de criança e de sociedade.
David Korten, em artigo intitulado A Grande Virada, diz que
A escolha definidora é entre dois modelos contrastantes de organização,
que a historiadora da cultura Riane Eisler chama de modelo de dominação e
modelo de parceria. O império é uma metáfora para o primeiro modelo, que por
cerca de 5 mil anos aprisionou as sociedades humanas dominantes em
competições implacáveis e violentas pelo poder de dominação – nação sobre
nação, raça sobre raça, homens sobre mulheres, ricos sobre pobres. A
Comunidade da Terra é uma metáfora para o modelo de parceria que se alinha
com os quatro princípios organizadores da Carta da Terra: (1 ) respeito e cuidado
com a comunidade da vida; (2) integridade ecológica; (3) justiça social e
econômica; (4) democracia, não violência e paz. (2015)
Cada escolha é um passo em direção ao futuro que desejamos.
Pensar no futuro é pensar em educação, é pensar na infância.
Como estão nossas crianças?
Fica a pergunta. A resposta podemos ver/sentir olhando a realidade ou podemos
buscar dados precisos sobre indicadores como saúde, educação etc.
Fica o registro de que, não sem motivos, foi aprovada a Lei criando o “Agosto
verde”, mês da Primeira Infância! A lógica é simples: as crianças são sujeitos de
direitos desde o começo da vida; e o que é bom para elas é bom para todos,
inclusive para o futuro do país.
Dalton e Lucia vislumbraram caminhos, abriram estradas, plantaram ideias,
criaram a Aldeia!
Desde 1973, foram muitas as crianças que passaram por aqui e retornaram: por
vezes como profissionais; outras, como pais. Bonito de ver! Bonito também é
viver a emoção de acompanhar gerações diferentes desbravando esses
espaços: filhos e netos com o mesmo encantamento, com os pés no chão e o
coração aberto para si mesmo e para o outro. A Aldeia é vida. Vida digna, atenta,
questionadora e transformadora.
Finalizo, recorrendo ao grande poeta Fernando Pessoa:
Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e
fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às
estrelas, nova beleza ao mundo, e maior amor ao coração
dos homens.
Que bom que Lucia e Dalton fizeram viver seus pensamentos!
Mônica Bezerra de Menezes Picanço